terça-feira, 31 de março de 2015

O gato fantasma da física quântica

"Imagem fantasma" produzida a partir de emaranhamento quântico (Foto: Gabriela Barreto Lemos/Divulgação)
Há 80 anos, o físico austríaco Erwin Schrödinger demonstrava que se um gato fosse uma partícula subatômica, poderia estar vivo e morto ao mesmo tempo. O experimento mental que ele propôs ficou conhecido como o paradoxo do Gato de Schrödinger: imagine que o animal esteja trancado em uma caixa junto a um frasco de veneno, que a qualquer momento pode matá-lo. Enquanto não abrirmos a caixa, não há como dizer se o felino está vivo ou morto. Na mecânica quântica, diz-se que ele está vivo e morto até a abertura do recipiente e a devida medição de seu estado. O problema é que o procedimento altera as possibilidades do gato estar em uma condição ou na outra.
“Em termos de gatos parece uma discussão ridícula, mas para fótons e outras partículas na escala quântica, essa discussão é muito difícil de resolver”, aponta Gabriela Lemos, física formada pela UFMG que hoje faz parte do Instituto para Ótica Quântica e Informação Quântica de Viena, Áustria. Ela liderou um experimento inédito publicado na revistaNature no qual, em alusão ao famoso paradoxo, foi produzida uma “fotografia fantasma” na forma de um gato, composta por fótons que jamais interagiram com o objeto.
O fenômeno é possível graças ao emaranhamento, uma conexão a nível quântico que determina que duas partículas estarão intimamente relacionadas e compartilharão informações entre si instantaneamente. Nos anos 30, Einstein chegou a chamar a propriedade de “ação assustadora à distância”, pois aparentemente contrariava sua Teoria da Relatividade ao ultrapassar a própria velocidade da luz. “Na verdade, nós da física quântica continuamos debatendo essas questões até hoje”, diz Gabriela.
Para fazer a foto do “gato fantasma”, os pesquisadores utilizaram dois feixes de laser, um amarelo e outro vermelho, com os fótons de ambos emaranhados. Apenas o feixe vermelho iluminou o contorno do gato em materiais como silício e vidro, guardando em si as informações sobre o objeto. Ambos os feixes foram então sobrepostos, e enquanto o vermelho era descartado, o amarelo foi apontado na direção de uma câmera. O resultado: sem que em nenhum momento tivessem atingido o contorno do gato, os fótons amarelos acabaram obtendo aquela imagem de seus “gêmeos” vermelhos. O mais impressionante é que as gravações foram confeccionadas de modo a serem invisíveis para a luz amarela.
Fótons que criaram esta imagem jamais interagiram com o objeto (Foto: Gabriela Barreto Lemos/Divulgação)
“Em outros experimentos, essa informação da imagem seria carregada pelos dois gêmeos juntos – nós conseguimos transferir essa informação para apenas um dos fótons”, explica. A grande inovação da técnica foi diferenciar as cores dos feixes, de modo a não deixar dúvidas de que o efeito da “imagem fantasma” provém do emaranhamento quântico. As aplicações práticas podem ser muitas. Na medicina, por exemplo, seria possível examinar tecidos através de luzes invisíveis que não danifiquem as células, e então a partir do emaranhamento gerar imagens com feixes de luz visíveis. Seguindo a mesma lógica, daria para fotografar objetos visíveis apenas em infravermelho.
É como se o experimento tivesse adicionado mais um gato ao paradoxo de Schrödinger. Gabriela descreve uma situação hipotética onde dois gatos “emaranhados” estão em caixas distintas, uma em Brasília e a outra em Recife. Ao abrir a caixa de Brasília, verifica-se que o animal está morto – logo se conclui que o outro gato também morreu, pois estão conectados. Mas o gato de Recife teria morrido no momento em que se observou a morte do outro? “A resposta a essa pergunta depende se o estado (vivo/morto/vivo e morto) do gato representa algo real (tangível) ou só representa o meu conhecimento sobre o gato”, afirma. De acordo com a física, estes debates não devem terminar tão cedo.
Fonte:
http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2014/09/o-gato-fantasma-da-fisica-quantica.html

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